quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


A tutela jurisdicional efectiva no actual contencioso administrativo

O princípio da tutela jurisdicional efectiva implica que cada direito ou interesse legalmente protegido dos cidadãos perante a Administração Pública encontre, na jurisdição administrativa, a via de protecção adequada, de onde resulta que os tribunais administrativos dispõem e devem fazer uso de todos os poderes que são próprios da sua função para assegurar a tutela adequada a quem se lhes dirige em busca de protecção.
O Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva considera o direito a uma tutela jurisdicional efectiva a pedra angular do processo administrativo, que tem vindo a ser aperfeiçoado em sucessivas revisões constitucionais, prevendo, após a revisão de 1989 e reforçado novamente em 1997, o acesso a uma multiplicidade de meios processuais que giram à volta deste direito ao acesso à Justiça Administrativa. Esta alteração acompanha o sentido da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, nos seus artigos 6º e 13º, já previam esta garantia.
Passámos, com estas reformas, de um modelo de administrador-juiz, em que os poderes jurisdicionais se limitavam à anulação de actos, para um modelo em que os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais, em que a força e os limites da sentença são suficientemente amplos para tutelar os direitos dos particulares na íntegra.
O Código de Processo nos Tribunais Administrativos adopta um modelo essencialmente subjectivista de contencioso administrativo, tendo como princípio orientador a garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses dos administrados, em consonância com o texto constitucional, nos termos do artigo 20º e 268º/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP). A propósito, Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida sustentam que a consagração legal deste princípio significou o reconhecimento final pelo legislador de que, num Estado de Direito Democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, “os indivíduos são titulares de direitos fundamentais anteriores e superiores a qualquer forma de organização política”.
O artigo 268º/4 do mesmo diploma exige, para cumprimento da exigência de uma tutela jurisdicional efectiva, não só a existência de meios processuais para reconhecimento de direitos e interesses e para impugnação de actos administrativos, como também para determinação de actos devidos e existência de medidas cautelares adequadas. Tanto o artigo 20º, como o 268º/4 da CRP exigem concretização legal do princípio aqui em análise, sendo já comummente aceite que deverá existir sempre um meio contencioso apto a satisfazer as pretensões do administrado, não sendo nunca admissível a não concretização dos seus direitos pela falta de meio jurisdicional que os faça valer.
Do próprio CPTA constam vários artigos concretizadores deste princípio. O art. 2.º CPTA começa por enunciar o princípio geral da tutela jurisdicional efectiva, o qual, nos termos do n.º 1, compreende o direito de qualquer cidadão “obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. O n.º 2 acrescenta que “a todo a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos”, prevendo um modelo de plena jurisdição. O art. 3.º nº 2 e 3 CPTA prevê mecanismos complementares para assegurar a efectividade da tutela (imposição de prazos para cumprimento de deveres, aplicação de sanções pecuniárias compulsórias e poderes de substituição dos tribunais). Também o artigo 7º explicita que o conteúdo deste direito implica o direito a uma justiça material, que se pronuncie sobre o mérito das questões suscitadas, não bastando portanto uma mera apreciação formal do litígio. Fica assim o tribunal com os mais amplos poderes de pronúncia, dado que este se pode pronunciar sobre qualquer tipo de pretensões relativas a relações de natureza administrativa, em consonância com o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos.

Podemos, no entanto, desdobrar este princípio em três planos distintos:

-Tutela Declarativa, onde se inserem as pretensões dos particulares, para reconhecimento de situações jurídicas ou pedidos de condenação à prática de actos que foram omissos pela Administração, tendo o artigo 2º/2 CPTA um elenco vasto de hipóteses, meramente exemplificativo (artigos 37º e ss. do CPTA);

- Tutela Cautelar: utilizados quando há necessidade de acautelar o efeito útil de uma decisão futura, durante o tempo em que o processo declarativo estiver pendente. Quanto a estas em especial, o princípio exige a possibilidade de providências cautelares não especificadas, uma vez que é impossível tipificar previamente todas as medidas que serão eventualmente necessárias para garantir o efeito útil da pretensão, como consta em paralelo no processo civil no 399º do CPC, sendo esta a lei supletiva, nos termos do artigo 1º CPTA, estendendo-se portanto aos meios processuais acessórios da acção principal. Tal ideia vem plasmada no acórdão nº 1072B/02 do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Outubro de 2002. Tem previsão expressa nos artigos 112º e ss. do CPTA;

-Tutela Executiva: comporta as formas processuais adequadas a fazer valer a decisão e obter a sua execução, quando tenha sido obtida sentença com força de caso julgado. Tem previsão expressa nos artigos 157º e ss. do CPTA, tendo a sua obrigatoriedade em relação a entidades públicas e privadas, assim como a sua prevalência sobre as autoridades administrativas, previsão no artigo 158º do mesmo diploma.

A redefinição dos meios processuais existentes, como veio a ser feita na última reforma do Código, de modo a assegurar que as pretensões possam ser tuteladas, constituía uma exigência formal e expressamente imposta pelo texto constitucional para o Prof. Dr. Mário Aroso de Almeida.
Para Vieira de Andrade, não ignorando que esta relação se reveste de uma especial delicadeza, uma vez que uma das partes é uma entidade pública, defende que este principio de desdobra em vários direitos:
- Direito de acesso aos tribunais, nos termos do 20º CRP, cujo núcleo essencial é a protecção pela via judicial;
- Direito a uma decisão judicial em prazo razoável e mediante processo equitativo;
- Direito à efectividade das sentenças proferidas, que consta também do 205º/2 e 3 da CRP.
Quanto ao direito ao recurso a doutrina diverge, já que a maior parte da desta e da jurisprudência está inclinada para que a Constituição não assegure tal direito, fora litígios penais ou quando estão em causa decisões que afectem direitos, liberdades e garantias. Para o mesmo autor, o legislador deve prever a possibilidade de recurso como concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Esta tutela não se refere apenas a direitos dos cidadãos, mas também à protecção do interesse público e de valores colectivos, como a saúde pública, ambiente, qualidade de vida, ordenamento do território, entre outros.
 A plena jurisdição do tribunal, tal como está traçada no actual regime, permite a tomada de decisões justas e adequadas à protecção dos direitos dos particulares e assegura a eficácia dessas decisões, destacando-se um forte reforço dos poderes do juiz sobre os actos da administração, nomeadamente em matéria de poderes de anulação e de condenação à prática de actos, assim como ao poder de intimação ou condenação imediata à reconstituição da situação hipotética actual.

Tomás Maia



Análise de uma Notícia à luz do C.A.T.


«  Moradores de prédio em risco de ruir travam despejo
Os moradores do prédio que está em risco de ruir, em Vila Franca de Xira, enviaram um requerimento à Polícia para impedir a entrada de funcionários da Câmara no edifício, ou seja, fica inviabilizado o despejo até que haja ordem judicial sobre a providência cautelar já interposta.
A situação tem sido calma ao longo do dia, nomeadamente, quando a PSP chegou à Encosta do Monte Gordo, em Vila Franca de Xira. Os moradores do prédio que ameaça ruir enviaram um requerimento à Polícia para impedir a entrada de funcionários da Câmara no edifício, travando assim a ação de despejo decidida pela autarquia por razões de segurança.
O despejo estava previsto para as 10 horas desta quinta-feira e fica agora sem efeito até que haja decisão judicial sobre a providência cautelar interposta pelos moradores.
Entretanto, esta quinta-feira, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa notificou a Câmara de Vila Franca de Xira para que responda à impugnação apresentada pelos moradores do prédio em risco de ruir, que travou o despejo coercivo.
Fonte ligada ao processo adiantou que, tendo em conta a "especial urgência" do caso, a autarquia possa vir responder no máximo de cinco dias, quando o prazo normal nestes casos são 10 dias.
O executivo camarário de Vila Franca de Xira deliberou proceder ao despejo dos moradores por estar em causa "a segurança de pessoas e bens", segundo o último relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), conhecido na segunda-feira, o qual alerta para o agravamento da instabilidade do prédio e do talude que continua a fazer pressão sobre o lote 2 que está inclinado para a frente.
Um outro relatório do organismo público, datado de julho, recomendava a retirada das famílias que residem no lote 1, do Bloco B, da Encosta do Monte Gordo, (dos 12 apartamentos, nove encontram-se habitados), já que o imóvel do lado, desabitado (lote 2), ameaça ruir e provocar a derrocada do lote 1. »

Publicado a  12-12-2012, Paulo Lourenço, in Jornal de Notícias

Com base no corpo da notícia supra citado, vai-se analisar as questões de contencioso administrativo e tributário implícitas.

Em primeiro lugar, estamos no âmbito de um pedido por parte de um conjunto de famílias do decretamento de uma providência cautelar, nos termos dos artigos 112.º e ss, nomeadamente trata-se de uma providência conservatória de suspensão da eficácia de um acto administrativo (112/2,a)).

Tal pedido é formulado num requerimento, neste caso antes da instauração do processo principal (114/1,a)), que é alvo de despacho liminar, nos termos do art.116.º.

Quanto aos critérios de decisão, previstos no 120.º, é aplicável o disposto no nº1, b), onde se exige na primeira parte o perigo na demora e na segunda a aparência de bom direito.
No tocante ao primeiro critério, neste caso, parece estar verificado, uma vez que tais famílias alegaram não lhes ter sido facultada habitação substitutiva ou temporária, pelo que no caso de não terem mais imóveis ou ajuda, não terão onde habitar. Assim, caberá a estas famílias fazer prova da inexistência de outro sítio para viver. De resto, parece óbvio que existe perigo na demora, uma vez que durante o período a aguardar pela conclusão do processo principal estas famílias não terão onde viver.
Quanto ao segundo critério, o juiz fará uma apreciação superficial e previsível da razão da pretensão do requerente. Neste caso, não é manifesta a legalidade do acto, pelo que existirá a tal aparência de bom direito.

No número 2 do artigo 120.º exige-se uma ponderação dos interesses em jogo, isto é, um juízo de valor entre os interesses a serem seguidos e os que serão sacrificados. Assim, respetivamente, encontramos o direito a uma habitação e a segurança pública.

Neste caso, exige-se uma ponderação que não é assim tão líquida, pois é muito questionável se o direito a ter uma habitação onde viver deva prevalecer sobre a segurança, inclusivamente de quem lá vive. Um critério normalmente utilizado a este respeito é o de ponderar a irreversibilidade do interesse prevalecente, e neste caso, também este critério apresenta dificuldades face à situação apresentada. 
Contudo, por não haver informações sobre um perigo de ruir imediato, poderia defender-se a prevalência do interesse do requerente, não obstante parece-me não ser uma solução apropriada,  dados os vários relatórios sobre a matéria e que apontam no mesmo sentido e sobretudo alertam para o recente agravamento.   

Em segundo lugar, é aplicável a primeira parte do número um do 128º, e tal ocorreu nesta situação, como se depreende na notícia. Poderá haver lugar à segunda parte da mesma disposição legal.

Em terceiro, é possível ocorrer a convalação prevista no artigo 121.º

Em quarto, cumpre analisar  outros requisitos, como a competência do Tribunal e a legitimidade das partes.

Quanto ao âmbito de jurisdição é aplicável o constante no 4.º/1, b) do ETAF
Quanto à competência territorial é aplicável o disposto no artigo 17.º do CPTA, por estar em casa um prédio.Já em função da hierarquia é competente o Tribunal Administrativo de Circulo - 44.º ETAF. 

Quanto à legitimidade activa é aplicável o 9.º/1 e 55/1, a), e no tocante à passiva 10.º/2 do CPTA. 
No tocante à coligação é aplicável o 12.º do CPTA e o disposto sobre esta matéria no CPC (art.1.º do CPTA E 10.º/8 CPC).

Joana Beirão - 19656



TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA


Proc. n.º 3424/12

Acção Administrativa Especial
Autora: “ESTAMOS-NAS-LONAS, S.A.”, Sociedade Anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º único e NIF n.º 598234609, com sede sita na Avenida da República, n.º 23, 1600 – 050 Lisboa.
Réu: MINISTÉRIO DA DEFESA, com sede sita na Avenida da Ilha da Madeira, 1404-204, Lisboa.
Contra-interessados: (considera-se não existirem)
Conclusão em 20.12.2012

Decisão:
I. Relatório
A sociedade anónima “ESTAMOS-NAS-LONAS, S.A.” matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º único e NIF n.º 598234609, com sede sita na Avenida da República, n.º 23, 1600 – 050 Lisboa, vem, ao abrigo e com a legitimidade que lhe é conferida no do art.º 20 e art.º 52, n.º1 da Constituição da República Portuguesa e nos termos dos art.º 2, n.º 2, alínea d), 46, n.º 1 e 2, alínea a) e 55, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA), instaurar acção administrativa especial, pedindo:
- A impugnação do acto unilateral de resolução do contrato celebrado entre a Autora, Estamos-Nas-Lonas, S.A., e o Réu, o Ministério da Defesa, dando como válido o contrato, bem como a sua continuação pela execução até ao final nos termos determinados e aceites pelas partes.
Bem como
- A condenação na prática do acto administrativo devido, que consiste na execução do remanescente determinado pelo contracto celebrado entre as partes.

1. Em petição inicial, veio o A. fundamentar os seus pedidos, justificando a mora com facto que não lhe seria imputável e afirmando a verificação atempada da prestação seguinte, no caso, a segunda. Assim invocou que:
- No dia 9 de Setembro de 2011, a empresa Estamos-Nas-Lonas, S.A., e o Ministério da Defesa celebraram um contrato de fornecimento de viaturas militares blindadas, as quais teriam de respeitar as características determinadas pelo projecto-base, cujo envio seria da responsabilidade do Ministério e cuja entrega deveria ser feita no mesmo dia. À empresa caberia fornecer 260 viaturas, pelo preço total de €360.500.000,00 (trezentos e sessenta milhões e quinhentos mil euros), sendo o lugar do cumprimento da entrega o Quartel-General de Coimbra, sito à rua da Infantaria, nº3.
- Relativamente à entrega das respectivas prestações, foram convencionadas quatro datas: a 1ª prestação deveria ser realizada dia 9 de Abril de 2012, através do fornecimento de oitenta (80) viaturas, pelo preço de € 111.000.000,00 (cento e onze milhões de €); a 2ª prestação deveria ser realizada dia 14 de Set. de 2012, através do fornecimento de oitenta (80) viaturas, pelo preço de € 111.000.000,00 (cento e onze milhões de €); a 3ª prestação deveria ser realizada dia 7 de Fev. de 2013, através do fornecimento de cinquenta (50) viaturas, pelo preço de 69.250.000,00€ (sessenta e nove milhões e duzentos e cinquenta mil €); finalmente, a 4ª prestação deveria ser realizada, através do fornecimento de cinquenta (50) viaturas, pelo preço de 69.250.000,00€ (sessenta e nove milhões e duzentos e cinquenta mil €).
- Fora violado o prazo de entrega do projecto-base, já que apenas a 12 de Dez. de 2011 se deu a efectiva entrega do projecto, por carta registada, atrasando-se com isso em um mês e três dias. Este atraso implicou um grande esforço da Sociedade para o cumprimento pontual da 1ª prestação, pondo, a resolução do contrato, em causa as expectativas da sua execução total, estando já construídas vinte (20) viaturas, prontas a entregar, e provocando um forte impacto negativo na condição financeira e económica da A., com consequências gravosas
- Na data prevista, dia 9 de Abril de 2012, as viaturas estavam prontas a ser entregues.
- Na mesma data, ocorrendo um rebentamento das condutas de água que inundou o Quartel-General de Coimbra, ficou impossibilitada a entrega da 1ª prestação, que a A. determinou não lhe ser imputável, não respondendo, desta forma, pela mora no cumprimento, art.º 792, n.º1 do Código Civil. De imediato a A. procedeu à notificação do R. a propósito da impossibilidade derivada do rebentamento, por carta registada com aviso de recepção, demonstrando com isso a tomada de todas as diligências necessárias ao pontual cumprimento do contrato e dos deveres acessórios da boa-fé, art.º 762, n.º 2 do Código Civil e art.º 286 do Código dos Contratos Públicos.
- Pelo afirmado, apenas dia 7 de Maio de 2012 houve cumprimento da 1ª prestação, no lugar acertado e mediante pagamento pelo Réu da quantia determinada.
- Dia 14 de Set. de 2012 procedeu-se ao cumprimento da 2ª prestação mediante pagamento da contraprestação, por cheque.
- Ainda assim, dia 23 de Out. de 2012 a A. foi notificada pelo R. da resolução do contrato, com fundamento em incumprimento parcial, uma vez que os prazos não haviam sido pontualmente cumpridos, sendo a resolução justificada pela existência de mora. Uma vez que haviam sido entregues cento e sessenta (160) viaturas, a A. considerou, por isso, não haver lugar a incumprimento parcial.
- A propósito da resolução do contrato em apreço, dia 15 de Novembro de 2012, o Ministro da Defesa Nacional, em conferência para os órgãos de comunicação social, manifesta ainda ter interesse na aquisição das viaturas militares blindadas que haviam, supostamente, ficado em falta, ao declarar a intenção de abrir novo concurso público para a celebração de um novo contrato de fornecimento dos cem (100) veículos em falta, reiterando a extrema importância da aquisição destes veículos.
- Para tanto, invoca a A. que, segundo o art.º 448 do Código dos Contratos Públicos, o contraente só pode resolver o contrato se o fornecedor violar de forma grave ou reiterada qualquer das obrigações que lhe incumbem, pelo que, não se tendo isso verificado, o art.º não estaria preenchido, havendo apenas incumprimento temporário já que não houve perda do interesse do credor, art.º 792, n.º 2 do Código Civil, consoante fora também reiterado pelas declarações do Ministro da Defesa Nacional.
- Caso a resolução fosse legal, esta teria lugar apenas a título de resolução sancionatória, art.º 329, 333 e 448 do Código dos Contratos Públicos.
- O Réu viola gravemente o princípio da boa-fé, a que está sujeito nos termos dos art.º 6 do Código de Procedimento Administrativo e art.º 286 do Código dos Contratos Públicos.
Pediu, então, a A. que fosse a presente acção declarada procedente:
A) Sendo declarada a anulabilidade do acto administrativo que aprovou a resolução do contracto celebrado entre a Autora e o Réu, impugnando esse mesmo acto unilateral, dando como válido o contrato bem como a sua continuação pela execução até ao final nos termos determinados e aceites pelas partes.

2. Citados regularmente, em contestação, vieram os demandados, em síntese:
Quanto ao pedido de anulação do acto administrativo que resolve o contrato de fornecimento celebrado entre A. e R.:
- Alegar que apesar do projecto-base ter sido entregue em data posterior à data inicialmente acordada, este foi entregue no prazo estipulado a posteriori pelas partes ora em litígio;
 - Contestar as circunstâncias invocadas pela A. pelo não cumprimento atempado da 1ª prestação (09/04/2012), no que respeita ao rebentamento de condutas de água no local do cumprimento da obrigação (Quartel-General de Coimbra);
- Alegar que mesmo assim, e sendo benevolente, alargou o prazo para cumprimento da 1ª prestação para 23/04/2012, e que, mesmo depois do alargamento do prazo, a A. falhou a prestação cumprindo-a apenas duas semanas mais tarde a 07/05/2012; Vem o ora R. alegar mora da A. de 23/04/2012 a 07/05/2012 pelo não cumprimento da prestação e violação do princípio da pontualidade;
 - Alegar que notificou a A. a 08/06/2012 para o accionamento da garantia para intervenção técnica nos blindados, estipulando um prazo de três meses para cumprimento desta obrigação. Depois dos blindados serem recolhidos por funcionários da A., a 15/06/2012, o ora R. alega ainda que a A. não entregou os veículos reparados na data estipulada de 17/09/2012, invocando aqui o R. os art.º 804, n.º 2, 805, n.º 2, alínea a) do Código Civil;
- Contestar o cumprimento integral da 2ª prestação a 14/09/2012, alegando que a A. só entregou no local convencionado pelas partes, 60 viaturas em vez das 80 estipuladas no contrato de fornecimento, invocando para tal o art.º 763 do Código Civil, por a A. não ter cumprido integralmente a prestação;
- Alegar que o cumprimento defeituoso se equipara a incumprimento definitivo, e que por isso considera que a A. incumpriu;
- Contestar o art.º 49 da Petição Inicial, pois considera que os pressupostos dos artigos 448º e 333º do Código dos Contratos Públicos estão preenchidos.

3. A 13 de Dezembro de 2012 foram ouvidos em audiência de julgamento, os representantes dos Autores e da Entidade Demandada.
Para além disso, foram ouvidas e inquiridas as seguintes testemunhas: Eng. Francisco Maria Clemente, Alberto Antunes, Fausto Antunes da Silva, José Santos, Elisa Silva, Joaquim Bernardo, António Correia dos Santos, Paulo Rodrigues Gonçalves, Fausto Nunes da Silva e José Delgado Alves
Resultou da audição das testemunhas:
- Através do testemunho do Eng. Francisco Maria Clemente, os autores tentaram provar que as duas prestações em causa tinham sido cumpridas dentro do acordado no projecto base. O Sr. Eng. esclarece que ele próprio inspecionou as viaturas, dirigindo-se duas vezes ao Quartel-General de Coimbra, conforme as suas obrigações, concluindo pela conformidade das viaturas com as características acordadas pelas partes, mencionando expressamente a ausência de defeitos.
- A segunda testemunha a ser ouvida, 1º Cabo no Quartel-General de Coimbra, Alberto Antunes, afirma que se encontrava no Quartel a 9 de Abril de 2012 no controlo de entradas e saídas do mesmo, quando ocorreu o rebentamento das condutas de água por volta das 10:00 horas da manhã. Descreveu ainda o modo como fez o pedido de socorro entrando em contacto com a GNR e bombeiros. Alberto Antunes, refere também ter tido conhecimento da entrega das viaturas pela Estamos-Nas-Lonas, S.A, no referido Quartel a 7 de Maio de 2012. Por outro lado, afirma que se encontrava de serviço a 15 de Junho de 2012, alegando que nesse dia não saiu nenhuma das viaturas entregues aquando da primeira prestação, e alegando também a falsidade da guia de transportes apresentada pelo réu.
- Seguiu-se a testemunha, Fausto Antunes da Silva, Chefe no Quartel-General de Coimbra, em virtude do pedido de contradita por parte do réu. Por ele foi posta em causa a seriedade do trabalho realizado no quartel por Alberto Antunes, atendendo ao seu problema de assiduidade e ainda o constante estado de alcoolemia do seu subordinado. O chefe do Quartel confirma ainda que Alberto se encontra com um processo disciplinar pendente. Procedeu ainda à entrega ao colectivo de juízes de uma prova documental (comprovativo de faltas de Alberto Antunes).
- Também foi ouvido José Santos, agente da Unidade de Destacamento de trânsito da Guarda Nacional Republicana de Coimbra (GNR). Este afirma ter sido contactado às 10:45 horas para gerir os acessos ao quartel aquando do rebentamento das condutas de água. O Guarda refere que as vias de acesso principal e secundárias ao Quartel ficaram afectadas pelas inundações, encontrando-se no local para garantir a segurança e não permitir a circulação de veículos. Confirma ainda que a normalidade apenas fora restabelecida às 18h45, momento em que foram reabertos os acessos ao Quartel.
- A testemunha seguinte, Elisa Silva, Jornalista na redacção de Coimbra da RTP1, afirma que foi destacada para ir ao quartel-general de Coimbra a 9 de Abril de 2012 pelas 11h00. Confirma então que as imediações do Quartel se encontravam fechadas ao trânsito tendo entrado a pé e testemunhado um grande aparato no local.
- De seguida é ouvida a testemunha, Joaquim Bernardo, trabalhador da empresa Estamos-Nas-Lonas, S.A.. Esta testemunha afirma ter conhecimento do contrato celebrado entre as partes. Quando lhe foi questionado se se encontrava a trabalhar no dia 15 de Junho de 2012, este nega a sua presença devido a um acidente (lesão de pulso). Afirma ter estado todo o dia no hospital das 9h30h até às 18h00. Quando confrontado com o facto de a sua assinatura ser patente na guia de transporte datada de dia 15 de Junho alega a falsidade da mesma.
O tribunal duvida da veracidade deste testemunho uma vez que no relatório médico apresentado, a consulta teve início às 9:00h. Atendendo às alegações da testemunha a hora não está conforme o relatório.
- É ainda ouvida a testemunha António Correia dos Santos, Comandante dos Bombeiros sapadores de Coimbra, um dos bombeiros que fora chamado ao local devido ao rebentamento das condutas de água no Quartel-General de Coimbra. Este confirma as inundações causadas pelo acidente e ainda a presença da PSP para controlo das vias encerradas.
- Segue-se Paulo Rodrigues Gonçalves, jornalista que se encontra a acompanhar o caso desde o dia 9 de Novembro de 2012. Esta testemunha não apresentou qualquer alegação relevante para o processo.
- Por último, foi ouvida a testemunha Fausto Nunes da Silva, Sargento-Chefe do quartel-general de Coimbra, este afirma ser o responsável pelo supervisionamento do contrato no que dissesse respeito às viaturas. Afirma assim que das 80 viaturas acordadas apenas foram entregues 60, alegando incumprimento parcial. Relativamente às viaturas que tinham de ser reparadas refere que deveriam ser entregues até dia 17, situação que não ocorreu, havendo um incumprimento por parte da empresa.
- Ocorreu ainda um depoimento parte, pelo Ministro da Defesa Nacional, José Delgado Alves. O Ministro veio confirmar a celebração do contrato em causa, afirmando por outro lado a inexistência do rebentamento de condutas, uma vez que se encontrava no local. No que concerne à 1ª prestação, confirma o alargamento do prazo deste por ser do interesse do estado Português. Afirma ainda que perante os testes técnicos realizados foram detectadas anomalias sendo necessário accionar a garantia. Posto isto, alega que fora estipulado um prazo para entrega das viaturas, 17 de Setembro, que não fora cumprido. Afirma ainda a ocorrência de problemas quanto à 2ª prestação, na medida em que apenas foram entregues 60 viaturas das 80 acordadas. Posto isto, refere que fora novamente estipulado um novo prazo para dia 8 de Outubro, e que mais uma vez as viaturas não foram entregues nessa data. Por último, o Ministro alega a resolução do contrato devido aos problemas enumerados, apesar deste ser um contrato de interesse público.

II. Matéria de facto assente
Desta forma, e tendo em conta o despacho saneador que definiu a matéria de facto assente e fixou a base instrutória, decide-se em seguida a matéria de facto provada relevante para a decisão:
1. A 09.10.2011 a “Estamos-Nas-Lonas, S.A.” (Autor), e o Ministério da Defesa Nacional (Réu) celebraram um contrato de fornecimento de viaturas militares blindadas, sendo as prestações de 260 viaturas – a ser cumprida pela A. - pelo preço de €360.500.000,00 (trezentos e sessenta milhões e quinhentos mil euros) – a ser cumprida pelo R. (doc. 1).
2. O lugar do cumprimento da obrigação de entrega das viaturas foi acordado pelas partes, conforme o disposto no art.º 772 do Código Civil, sendo estabelecido o Quartel-General de Coimbra, Rua de Infantaria 23 3-219 Coimbra, Portugal; tal como resulta da cláusula 3.ª do contrato de fornecimento.
3. O R. não procedeu à entrega, a 09.11.2011, do Projecto-Base, elaborado por funcionários das Forças Armadas constante da cláusula 6.ª do contrato de fornecimento. Tendo este sido apenas entregue a 12.12.2011.
4. A primeira prestação referente à entrega de 80 viaturas deveria ter tido lugar a 09.04.2012, o que não se verificou, havendo por isso incumprimento por parte do A.
5. O R. recebe comunicação da A. a 11.04.2012, em que a A. refere a impossibilidade de realização da primeira prestação no lugar acordado, i.e., no Quartel-General de Coimbra (art.º 24 e art.º 26 da PI e doc. 24 da Petição Inicial), dando conta do rebentamento das condutas de água no mesmo local (doc. 39).
6. A 12.04.2012, o R. envia carta à A. alargando o prazo de cumprimento da primeira prestação para 23.04.2012 (doc. 4 e 5).
7. A A. veio apenas a entregar as 80 viaturas correspondentes à primeira prestação a 07.05.2012, encontrando-se por isso em mora, à luz do disposto no art.º 805, n.º2, al. a) do Código Civil.
8. A 05.06.2012 é entregue ao R. um parecer técnico que conclui pela existência de defeitos nas 80 viaturas entregues a 07.05.2012.
9. A 08.06.2012, o R. acciona a garantia, dados os defeitos detectados nas viaturas - conforme a cláusula 5.ª, b) e cláusula 8.ª do contrato de fornecimento (doc. 1) - vindo a fixar um prazo de 3 meses para que a A. procedesse à reparação – ou seja deveriam estar reparadas até dia 08.09.2012.
10. No entanto - e de acordo com o n.º 23 da contestação - apesar das viaturas terem de estar reparadas a 08.09.2012, observa-se que o prazo de entrega das mesmas viaturas é diferente do anterior, ou seja, estas só deveriam ser entregues a 17.09.2012.
11. A 14.09.2012, a título de segunda prestação, a A. entrega apenas 60 viaturas, menos 20 do que aquelas a que estava contratualmente adstrita, conforme consta do contrato celebrado entre as partes – cláusula 7.ª, n.º2, al. b).
12. A 17.09.2012, a A. não procedeu à entrega das 80 viaturas levadas para reparação correspondentes à 1.ª prestação.
13. A 18.09.2012, o R. notifica a A, fixando 08.09.2012 como data de entrega do remanescente da segunda prestação.
14. A 08.10.2012, A. deveria ter entregue o remanescente – 20 viaturas – relativo à 2.ª prestação; o que não se verificou.
15. Dia 10.10.2012, o R. fixa novo prazo – de 8 dias – para a A. proceder ao cumprimento do remanescente da segunda prestação, sob pena de resolução do contrato.
16. A. recebe a notificação dia 11 de Outubro de 2012 (Doc.15). 
17. A A. entrega as 20 viaturas em falta referentes à segunda prestação a 19.10.2012. Desta forma verifica-se que o remanescente da segunda prestação fora cumprido dentro do prazo estabelecido de 8 dias. Tendo sido a entrega feita em tempo devido, R. pagou a A. o preço correspondente às 20 viaturas, conforme consta do doc. 31.
18. As 80 viaturas referentes à primeira prestação, depois de levadas para reparação, não mais foram entregues.
19. Apenas a segunda prestação foi cumprida integralmente, ainda que, já dentro de um terceiro prazo estabelecido pelo R.
20. A A. notificou o R. que não iria conseguir cumprir atempadamente a 3.ª prestação a 07.02.2013, como se conclui do n.º 31 da contestação.
21. O contrato de fornecimento celebrado entre a Estamos-nas-Lonas, S. A., e o Ministério da Defesa Nacional, é resolvido pelo R. a 23.10.2012.

III.1. Matéria de Direito

A.    Da mora
A A. Apenas veio a cumprir a obrigação de entrega a que estava adstrita no dia 07.05.2012. Na verdade, fora convencionado que a A. entregaria a 1ª prestação a 09.04.2012. Todavia, veio a Autora alegar – com razão – que estaria impossibilitada de proceder à entrega das oitenta viaturas, dado o rebentamento das condutas de água e que se tiveram efeitos no próprio lugar da entrega das viaturas.
Assim sendo, houve impossibilidade temporária de realizar a entrega das viaturas, pois o rebentamento das condutas de água tornou impossível a entrega das viaturas naquele local do cumprimento. Ademais, não deu o Réu nenhuma indicação de outro lugar para que o Autor pudesse entregar as oitenta viaturas. Como tal, fazendo uma leitura ampla do n.º 4 do art. 325.º CCP, que atenda a ratio do artigo em causa, seria de aplicar o art. 792.º CC. Na verdade, o rebentamento das condutas torna momentaneamente impossível a entrega naquele lugar, dado que a mesma entrega poderá ser feita após a limpeza daquele lugar. Mais se diga que o interesse do credor mantem-se, como exige o n.º 2 do art. 792.º CC, dado que o Réu continua a ter interesse na aquisição daquele número de viaturas blindadas. Logo, conclui-se que não seria imputada ao devedor, in casu Estamos- Nas-Lonas, S. A., a impossibilidade do cumprimento atempado.
Significa por isso que há justificação para que a A. não tenha procedido à entrega acordada para dia 09.04.2012. De facto, sendo certo que o princípio da pontualidade enforma todo o regime do cumprimento e incumprimento das obrigações (vide, PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, Coimbra ed., 4ª ed., pp. 373ss.), a não entrega no dia acordado não configura um situação de incumprimento, pois que a própria letra do art. 792.º do CC refere que o devedor não responde pela mora, ficando, por exemplo, exonerado dos danos moratórios, não se aplicando por isso o art. 804.º/1 do CC.
Ademais, agiu a Autora no respeito pela boa fé. De facto, a Autora foi bastante célere na notificação ao Réu do facto de não conseguir cumprir com a data acordada. Tal exigência, constante do art. 762/2 CC e do art. 286.º CCP.
Portanto, o A. não responde pela mora sendo certo que se encontra em mora, dado que não cumpriu aquilo a que contratualmente estava adstrita. Assim, nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 805.º CC a A. estaria em mora desde 09.04.2012. Não tem razão a A. pois confunde duas realidades distintas: constituição em mora e exoneração da mora. A constituição em mora prende-se com o momento em que se considera que, in casu o devedor, incumpre com o prazo que fora estabelecido. Ou seja, aquilo que fora contratualmente estipulado não foi verificado (por isso: violação do princípio da pontualidade) pois apenas veio a cumprir numa data que não aquela que fora estabelecida pelas partes. Coisa distinta é a responsabilidade pela mora ou, no litígio que agora se julga, a exoneração da mora. Esta diz respeito à susceptibilidade do sujeito em mora ser chamado a responder pelos efeitos que a outra parte tenha em virtude desse atraso no cumprimento. Claro está que só haverá responsabilidade pela mora se de facto houver mora e por isso, para efeitos de danos moratórios, o devedor só responde pelos danos que tenham lugar desde o momento em que o devedor se encontre em mora. Nesse sentido, o devedor encontra-se em mora ainda que, ex vi impossibilidade temporária, não responda pelos danos moratórios que então possam ter ocorrido.
Assim sendo não haveria lugar à aplicação do n.º 1 do art. 325.º CCP dado que o facto não lhe é imputável, como foi visto supra.
No entanto, tendo sido fixado novo prazo (23.04.2012), deveria a A. ter entregue as oitenta viaturas nesta data e no lugar já apto para que se procedesse à respectiva entrega. Não procedendo a essa entrega, e não havendo fundamento para que a A. não cumprisse com a 1ª prestação, responde a A. pelos danos moratórios, que se contam desde 23.04.2012. Por isso, ainda que tenha cumprido a 07.05.2012 sempre responderia pelos danos moratórios, i.e. pelos danos que o R. sofreu pelo facto de a A. ter cumprido tardiamente, violando assim aquilo que fora acordado.
Conclui-se por isso que a A. só responderia pelos danos que a sua mora causasse desde 23.04.2012.

B.     Do cumprimento defeituoso
A subsunção do caso em apreço - referente ao cumprimento 1.ª prestação – à noção de cumprimento defeituoso requer em primeiro lugar que se compreenda o que abarca esta noção. Cumpre então compreender melhor o que significa cumprimento defeituoso.
Segundo Romano Martinez observa-se o cumprimento defeituoso, “sempre que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito, mas esta não corresponde, totalmente, à que era devida, (…)”.
De seguida devemos observar por que razão esta situação se subsume ao regime do cumprimento defeituoso e não ao regime do erro.
De facto, apesar de, sub judice,  o R. estar sempre em erro, não seria de aplicar o regime do erro. Os regimes em causa impõem consequências distintas. Observemos algumas: o requisito fundamental do erro é a essencialidade e, com respeito ao cumprimento defeituoso, só o direito de resolver o contrato carece de uma violação essencial do dever obrigacional, mas tal não é exigido para os restantes meios (eliminação dos defeitos, entrega de prestação substitutiva, redução do preço e indeminização). Estes institutos diferenciam-se igualmente em relação à indesculpabilidade. Enquanto o erro indesculpável pode ser causa de anulação do contrato, a desculpabilidade é requisito da responsabilidade por defeito no cumprimento. Cabe dizer ainda, que o erro só é fundamento de anulação se a contraparte (destinatário) conhecia ou não devia ignorar a essencialidade do elemento sobre que ele incide (art.º 247 do Código Civil), ao passo que o devedor pode ser responsável pelo cumprimento defeituoso, apesar de desconhecer o respectivo vício. O erro diz respeito à formação da vontade, à representação da realidade no momento da celebração do negócio jurídico; enquanto o cumprimento defeituoso é aferido a posteriori, verifica-se na fase de execução do contrato. Por último, acrescente-se que a principal consequência do erro é a anulabilidade do negócio jurídico; enquanto o cumprimento defeituoso permite, além da resolução do contrato, a exigência das pretensões de cumprimento, de redução do preço e da indeminização pelos danos.
Ora, observando a noção apresentada e feita a distinção da figura do erro, consideramos que esta à partida pode caracterizar a situação descrita – ou seja, a dos veículos referentes à 1.ª prestação apresentarem defeitos. Vamos tentar ir mais além ou seja, vamos verificar que tipo de cumprimento defeituoso temos presente no caso.
O tipo de cumprimento defeituoso que se observa no caso em apreço é o de “Error in qualitate[1] ou seja um erro relativo às qualidades próprias normais dos bens daquele tipo. Esta determinação das qualidades normais de cada tipo de coisa depende da apreciação comum, tendo em conta as regras da boa fé. A doutrina geralmente enquadra estas qualidades normais da coisa naquelas que pela sua razão de ser se integram no negócio jurídico em causa.
Concluindo, quando a A. entrega a título de 1.ª prestação os 80 veículos ao R., e se verifica que os mesmos apresentam defeito, esta situação deve ser enquadrada como um cumprimento. No entanto, por os veículos em causa apresentarem uma ausência de qualidade normal que seria de esperar de acordo com o espírito e letra do contrato de fornecimento, verifica-se que houve cumprimento defeituoso, aplicando se o regime desta figura jurídica.

  1. Dos fundamentos da resolução
No que concerne à resolução contratual por parte do R., será necessário analisar o regime geral dos contratos públicos, nomeadamente o artigo 325º. do Código dos Contratos Públicos. Este indica a necessidade do contraente público, em caso de incumprimento, dever notificar o co-contratante para o cumprimento em prazo razoável. Por “prazo razoável” devemos entender um prazo que tenha em conta as especificidades do contrato e o tempo médio que tal prestação demoraria a ser efectuada, ainda que se deva ter em conta o tempo que já se dispôs para cumprir aquando do 1º prazo. Enuncia o número 2 do mesmo artigo que só no caso do prazo concedido não ser cumprido é que a Administração poderá resolver o contrato. Esta solução encontra justificação no princípio do aproveitamento dos contractos. No caso específico dos contractos públicos, estes costumam ser bastante onerosos para as partes envolvidas, como tal uma eventual resolução acarreta normalmente grandes prejuízos económicos para ambas as partes, bem como para o interesse público, prejuízos esses que devem ser evitados a todo o custo e que deram lugar a esta solução.
Mereceram ao Tribunal especial relevância nesta matéria os documentos 12. e 14. apresentados pelo R., uma vez que demonstram que a Administração por mais do que uma vez concedeu a possibilidade ao A. de cumprir o contrato antes de proceder  à resolução do mesmo.
Competirá pois analisar se os fundamentos apresentados pelo R. para justificar a resolução do contrato encontram, nos factos da causa, suporte que preencha os preceitos legais de forma a conferir carácter legal a esta mesma resolução, ou se, por outro lado, os factos vão ao encontro da pretensão de A. que alega não existirem motivos para tal.
 Tendo em conta o artigo 448º. do Código dos Contratos Públicos, que versa sobre os fundamentos de resolução pelo contraente público, vemos que esta norma confere direito de resolução ao contraente público em caso de violação grave ou reiterada das obrigações que competem ao co contraente, nomeadamente, em casos de mora superior a 3 meses ou quando se declare que o atraso na entrega irá exceder esse prazo.
Relativamente ao prazo de 3 meses, parte da doutrina, nomeadamente os Professores Diogo Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa consideram este como sendo meramente indicativo, no sentido em que a própria natureza do bem a fornecer possa justificar um prazo mais alargado ou até mais curto, se as partes assim o entenderem.
O artigo refere ainda que os fundamentos gerais de resolução do contrato, constantes do Código Civil, nomeadamente no artigo 432º. e seguintes, são também eles relevantes para efeitos de resolução de contratos públicos de fornecimento.
Para efeitos de resolução é ainda de referir o regime previsto no art.333º. do Código dos Contratos Públicos, uma vez que este foi referido pela A. para afirmar que não estavam verificados os seus pressupostos de aplicação, tendo R. considerado, pelo contrário, que existiam motivos para resolução também ao abrigo do disposto neste artigo. Na extensa previsão deste artigo se prevê a possibilidade do contraente público poder resolver o contrato a título sancionatório nos casos no mesmo mencionados, tendo para o efeito R. alegado que poderiam resolver o contrato com base no disposto na alínea a) do referido artigo.
Tendo em especial atenção os documentos 2., 10., 28 e 29., que mereceram particular credibilidade ao tribunal, bem como os testemunhos ouvidos em Audiência de Discussão e Julgamento, é possível concluir que durante o tempo de cumprimento do contrato existiram efectivamente razões fácticas que sustentam a resolução contratual por parte de R..
Verifica-se que A. não cumpriu o prazo para a primeira prestação, sendo este 9 de Abril de 2012. Ainda relativamente a essa prestação se constata que algumas das viaturas fornecidas tinham defeito de fabrico, e que, por esse motivo, foi constituído um prazo para se proceder à sua reparação, a 17 de Setembro de 2012, prazo esse que voltou a ser incumprido por A.. 
Acresce a isto o facto de a segunda prestação que tinha como data o dia 14 de Setembro de 2012 não ter sido feita de forma completa, uma vez que faltavam 20 viaturas das 80 acordadas, o que resultou uma vez mais num prolongamento do prazo para o cumprimento, definido para 8 de Outubro de 2012, data essa que passou sem que a prestação tenha sido validamente cumprida.
Aquando da terceira prestação, a A. comunica desde logo a sua incapacidade para cumprir de forma atempada a referida prestação.
Estes factos constituem um incumprimento reiterado das obrigações que competiam a A., sendo desta forma fundamento para resolução do contrato à luz do disposto no art.448º. do Código dos Contratos Públicos. Para além disso o prazo de 3 meses referido neste mesmo artigo foi largamente excedido uma vez que a resolução vem a ocorrer a 23 de Outubro de 2012, mais de 6 meses depois da data para cumprimento da primeira prestação.
Ainda no que a esta questão diz respeito, nomeadamente à exigência presente no artigo relativa ao carácter grave das violações, será importante realçar a opinião do Professor Doutor Pedro Romano Martinez, que defende a necessidade de ter de se constatar uma quebra na relação de confiança no contrato de prestação periódica para fundamentar a resolução. Neste caso, podemos verificar a quebra da confiança nas constantes violações feitas ao contrato, violações essas que, quer pelo valor patrimonial que representam, quer pelo prejuízo público que causam, são só por si de carácter grave.
Nestes termos, temos que existiu fundamento para resolução do contrato nos termos do art.448º do Código dos Contratos Públicos.
Quanto à resolução sancionatória prevista no art.333º. alínea a) do Código dos Contratos Públicos, será necessário que exista incumprimento definitivo e que este se verifique por facto imputável ao co-contratante para que se possa resolver o contrato com base nesta disposição.
Sobre esta questão diz o Professor Doutor Pedro Romano Martinez que a resolução do contrato pode ser fundamentada pelo incumprimento do contrato - art.º 801, n.º2 do Código Civil. Ainda que pudéssemos questionar se neste caso estamos perante um caso de incumprimento definitivo, uma vez que ainda era possível a A. cumprir com as obrigações, será importante lembrar que, no caso de perda de interesse do credor, a impossibilidade parcial se torna definitiva, o que, aplicado ao caso, resulta que uma vez que o R. perdeu o interesse na prestação, o incumprimento ainda que parcial por parte de A., se converte em definitivo.
Nestes termos, temos que também existiu fundamento para resolução do contrato com base no disposto no art.º 333º. alínea a), do Código dos Contratos Públicos.
Considera-se por último que esta resolução não põe em causa o interesse público, pelo contrário, a permanência do contrato com A. é que poria em causa o interesse público uma vez que esta não demonstrou a diligência suficiente para conseguir cumprir com as obrigações, incorrendo em incumprimento, sendo que estes mesmos incumprimentos é que atrasam a prossecução do interesse público, que não se deve coadunar com atrasos constantes que acarretam grave prejuízo para o erário público.

III.2. Fundamentação
Quanto à fundamentação da decisão de mérito:
Crê-se que o pedido da A. não é procedente, sendo válidos os efeitos da resolução do contrato provocada pelo R.. Sendo negligente na prossecução das suas obrigações pelos sucessivos atrasos a que acresceram a entrega de bens defeituosos, apesar dos contínuos esforços do R. para manter a execução do contrato, e violando de maneira clara princípios determinantes e basilares da relação entre as partes, em especial o princípio da confiança, o efeito verificado quanto à A. só pode ser o da procedência da resolução, fundamentada nos termos do art.448º do Código dos Contratos Públicos, e, eventualmente, no art.º 333º. alínea a), do Código dos Contratos Públicos. Tendo também em consideração que se conclui que a resolução do contrato em nada prejudica o interesse público, antes pelo contrário, reitera-se, desta forma, a procedência pela resolução do contrato celebrado entre a Autora, Estamos-Nas-Lonas, S.A., e o Réu, o Ministério da Defesa.
IV. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
Não declarar anulável a resolução do contrato de fornecimento de bens pelo Ministério da Defesa
Custas pela Autora.
Registe e notifique.
(texto elaborado e revisto pelo signatário – cfr. artigo 138.º/5 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA – incorporado no SITAF, com assinatura electrónica avançada, nos termos do artigo 7.º/1 da Portaria n.º1417/2003, de 30 de Dezembro).

Lisboa, 19 de Dezembro de 2012
Pelo colectivo de juízes,
David Reis
Inês Sampaio Soares
Lourenço Corrêa d’Oliveira
Margarida Valadão dos Santos
Pedro Fonseca
Tomás Maia


[1] O tipo error in qualidade distingue-se essencialmente do error in corpore e do error in substancia, pois estes últimos versam sobre realidades extrínsecas ao objecto negocial, enquanto o primeiro tem a ver com as qualidades intrínsecas desse mesmo objecto.