TRIBUNAL
ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA
Proc. n.º 3424/12
Acção Administrativa Especial
Autora: “ESTAMOS-NAS-LONAS, S.A.”, Sociedade Anónima, matriculada
na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º único e NIF n.º
598234609, com sede sita na Avenida da República, n.º 23, 1600 – 050 Lisboa.
Réu: MINISTÉRIO DA DEFESA, com sede sita na Avenida da Ilha da
Madeira, 1404-204, Lisboa.
Contra-interessados: (considera-se não existirem)
Conclusão em 20.12.2012
Decisão:
I. Relatório
A sociedade anónima
“ESTAMOS-NAS-LONAS, S.A.” matriculada na Conservatória do Registo Comercial de
Lisboa sob o n.º único e NIF n.º 598234609, com sede sita na Avenida da
República, n.º 23, 1600 – 050 Lisboa, vem, ao abrigo e com a legitimidade que
lhe é conferida no do art.º 20 e art.º 52, n.º1 da Constituição da República
Portuguesa e nos termos dos art.º 2, n.º 2, alínea d), 46, n.º 1 e 2, alínea a)
e 55, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos
(CPTA), instaurar acção administrativa especial, pedindo:
- A impugnação do acto
unilateral de resolução do contrato celebrado entre a Autora,
Estamos-Nas-Lonas, S.A., e o Réu, o Ministério da Defesa, dando como válido o
contrato, bem como a sua continuação pela execução até ao final nos termos
determinados e aceites pelas partes.
Bem como
- A condenação na prática do acto administrativo devido,
que consiste na execução do remanescente determinado pelo contracto celebrado
entre as partes.
1.
Em petição inicial, veio o A. fundamentar os seus pedidos, justificando a mora
com facto que não lhe seria imputável e afirmando a verificação atempada da
prestação seguinte, no caso, a segunda. Assim invocou que:
-
No dia 9 de Setembro de 2011,
a empresa Estamos-Nas-Lonas, S.A., e o Ministério da
Defesa celebraram um contrato de fornecimento de viaturas militares blindadas,
as quais teriam de respeitar as características determinadas pelo
projecto-base, cujo envio seria da responsabilidade do Ministério e cuja
entrega deveria ser feita no mesmo dia. À empresa caberia fornecer 260
viaturas, pelo preço total de €360.500.000,00 (trezentos e sessenta milhões e
quinhentos mil euros), sendo o lugar do cumprimento da entrega o
Quartel-General de Coimbra, sito à rua da Infantaria, nº3.
-
Relativamente à entrega das respectivas prestações, foram convencionadas quatro
datas: a 1ª prestação deveria ser realizada dia 9 de Abril de 2012, através do
fornecimento de oitenta (80) viaturas, pelo preço de € 111.000.000,00 (cento e
onze milhões de €); a 2ª prestação deveria ser realizada dia 14 de Set. de
2012, através do fornecimento de oitenta (80) viaturas, pelo preço de €
111.000.000,00 (cento e onze milhões de €); a 3ª prestação deveria ser
realizada dia 7 de Fev. de 2013, através do fornecimento de cinquenta (50)
viaturas, pelo preço de 69.250.000,00€ (sessenta e nove milhões e duzentos e
cinquenta mil €); finalmente, a 4ª prestação deveria ser realizada, através do
fornecimento de cinquenta (50) viaturas, pelo preço de 69.250.000,00€ (sessenta
e nove milhões e duzentos e cinquenta mil €).
-
Fora violado o prazo de entrega do projecto-base, já que apenas a 12 de Dez. de
2011 se deu a efectiva entrega do projecto, por carta registada, atrasando-se
com isso em um mês e três dias. Este atraso implicou um grande esforço da Sociedade
para o cumprimento pontual da 1ª prestação, pondo, a resolução do contrato, em
causa as expectativas da sua execução total, estando já construídas vinte (20)
viaturas, prontas a entregar, e provocando um forte impacto negativo na
condição financeira e económica da A., com consequências gravosas
-
Na data prevista, dia 9 de Abril de 2012, as viaturas estavam prontas a ser
entregues.
-
Na mesma data, ocorrendo um rebentamento das condutas de água que inundou o
Quartel-General de Coimbra, ficou impossibilitada a entrega da 1ª prestação, que
a A. determinou não lhe ser imputável, não respondendo, desta forma, pela mora
no cumprimento, art.º 792, n.º1 do Código Civil. De imediato a A. procedeu à
notificação do R. a propósito da impossibilidade derivada do rebentamento, por
carta registada com aviso de recepção, demonstrando com isso a tomada de todas
as diligências necessárias ao pontual cumprimento do contrato e dos deveres
acessórios da boa-fé, art.º 762, n.º 2 do Código Civil e art.º 286 do Código
dos Contratos Públicos.
-
Pelo afirmado, apenas dia 7 de Maio de 2012 houve cumprimento da 1ª prestação,
no lugar acertado e mediante pagamento pelo Réu da quantia determinada.
-
Dia 14 de Set. de 2012 procedeu-se ao cumprimento da 2ª prestação mediante
pagamento da contraprestação, por cheque.
-
Ainda assim, dia 23 de Out. de 2012
a A. foi notificada pelo R. da resolução do contrato,
com fundamento em incumprimento parcial, uma vez que os prazos não haviam sido
pontualmente cumpridos, sendo a resolução justificada pela existência de mora.
Uma vez que haviam sido entregues cento e sessenta (160) viaturas, a A.
considerou, por isso, não haver lugar a incumprimento parcial.
-
A propósito da resolução do contrato em apreço, dia 15 de Novembro de 2012, o
Ministro da Defesa Nacional, em conferência para os órgãos de comunicação social,
manifesta ainda ter interesse na aquisição das viaturas militares blindadas que
haviam, supostamente, ficado em falta, ao declarar a intenção de abrir novo
concurso público para a celebração de um novo contrato de fornecimento dos cem
(100) veículos em falta, reiterando a extrema importância da aquisição destes
veículos.
-
Para tanto, invoca a A. que, segundo o art.º 448 do Código dos Contratos
Públicos, o contraente só pode resolver o contrato se o fornecedor violar de
forma grave ou reiterada qualquer das obrigações que lhe incumbem, pelo que,
não se tendo isso verificado, o art.º não estaria preenchido, havendo apenas
incumprimento temporário já que não houve perda do interesse do credor, art.º
792, n.º 2 do Código Civil, consoante fora também reiterado pelas declarações
do Ministro da Defesa Nacional.
-
Caso a resolução fosse legal, esta teria lugar apenas a título de resolução
sancionatória, art.º 329, 333 e 448 do Código dos Contratos Públicos.
-
O Réu viola gravemente o princípio da boa-fé, a que está sujeito nos termos dos
art.º 6 do Código de Procedimento Administrativo e art.º 286 do Código dos
Contratos Públicos.
Pediu, então, a A. que fosse a presente acção
declarada procedente:
A)
Sendo declarada a anulabilidade do acto administrativo que aprovou a resolução
do contracto celebrado entre a Autora e o Réu, impugnando esse mesmo acto
unilateral, dando como válido o contrato bem como a sua continuação pela
execução até ao final nos termos determinados e aceites pelas partes.
2. Citados
regularmente, em contestação, vieram os demandados, em síntese:
Quanto ao pedido de anulação do acto administrativo
que resolve o contrato de fornecimento celebrado entre A. e R.:
- Alegar que apesar do projecto-base ter sido entregue
em data posterior à data inicialmente acordada, este foi entregue no prazo
estipulado a posteriori pelas partes
ora em litígio;
- Contestar as
circunstâncias invocadas pela A. pelo não cumprimento atempado da 1ª prestação
(09/04/2012), no que respeita ao rebentamento de condutas de água no local do
cumprimento da obrigação (Quartel-General de Coimbra);
- Alegar que mesmo assim, e sendo benevolente, alargou
o prazo para cumprimento da 1ª prestação para 23/04/2012, e que, mesmo depois
do alargamento do prazo, a A. falhou a prestação cumprindo-a apenas duas
semanas mais tarde a 07/05/2012; Vem o ora R. alegar mora da A. de 23/04/2012 a
07/05/2012 pelo não cumprimento da prestação e violação do princípio da
pontualidade;
- Alegar que
notificou a A. a 08/06/2012 para o accionamento da garantia para intervenção
técnica nos blindados, estipulando um prazo de três meses para cumprimento
desta obrigação. Depois dos blindados serem recolhidos por funcionários da A.,
a 15/06/2012, o ora R. alega ainda que a A. não entregou os veículos reparados
na data estipulada de 17/09/2012, invocando aqui o R. os art.º 804, n.º 2, 805,
n.º 2, alínea a) do Código Civil;
- Contestar o cumprimento integral da 2ª prestação a
14/09/2012, alegando que a A. só entregou no local convencionado pelas partes,
60 viaturas em vez das 80 estipuladas no contrato de fornecimento, invocando
para tal o art.º 763 do Código Civil, por a A. não ter cumprido integralmente a
prestação;
- Alegar que o cumprimento defeituoso se equipara a
incumprimento definitivo, e que por isso considera que a A. incumpriu;
- Contestar o art.º 49 da Petição Inicial, pois
considera que os pressupostos dos artigos 448º e 333º do Código dos Contratos
Públicos estão preenchidos.
3. A
13 de Dezembro de 2012 foram ouvidos em audiência de julgamento, os
representantes dos Autores e da Entidade Demandada.
Para
além disso, foram ouvidas e inquiridas as seguintes testemunhas: Eng. Francisco
Maria Clemente, Alberto Antunes, Fausto Antunes da Silva, José Santos, Elisa
Silva, Joaquim Bernardo, António Correia dos Santos, Paulo Rodrigues Gonçalves,
Fausto Nunes da Silva e José Delgado Alves
Resultou da
audição das testemunhas:
- Através
do testemunho do Eng. Francisco Maria Clemente, os autores tentaram provar que
as duas prestações em causa tinham sido cumpridas dentro do acordado no projecto
base. O Sr. Eng. esclarece que ele próprio inspecionou as viaturas,
dirigindo-se duas vezes ao Quartel-General de Coimbra, conforme as suas
obrigações, concluindo pela conformidade das viaturas com as características
acordadas pelas partes, mencionando expressamente a ausência de defeitos.
-
A segunda testemunha a ser ouvida, 1º Cabo no Quartel-General de Coimbra, Alberto
Antunes, afirma que se encontrava no Quartel a 9 de Abril de 2012 no controlo
de entradas e saídas do mesmo, quando ocorreu o rebentamento das condutas de
água por volta das 10:00 horas da manhã. Descreveu ainda o modo como fez o
pedido de socorro entrando em contacto com a GNR e bombeiros. Alberto Antunes,
refere também ter tido conhecimento da entrega das viaturas pela Estamos-Nas-Lonas,
S.A, no referido Quartel a 7 de Maio de 2012. Por outro lado, afirma que se
encontrava de serviço a 15 de Junho de 2012, alegando que nesse dia não saiu
nenhuma das viaturas entregues aquando da primeira prestação, e alegando também
a falsidade da guia de transportes apresentada pelo réu.
-
Seguiu-se a testemunha, Fausto Antunes da Silva, Chefe no Quartel-General de
Coimbra, em virtude do pedido de contradita por parte do réu. Por ele foi posta
em causa a seriedade do trabalho realizado no quartel por Alberto Antunes,
atendendo ao seu problema de assiduidade e ainda o constante estado de
alcoolemia do seu subordinado. O chefe do Quartel confirma ainda que Alberto se
encontra com um processo disciplinar pendente. Procedeu ainda à entrega ao
colectivo de juízes de uma prova documental (comprovativo de faltas de Alberto
Antunes).
-
Também foi ouvido José Santos, agente da Unidade de Destacamento de trânsito da
Guarda Nacional Republicana de Coimbra (GNR). Este afirma ter sido contactado
às 10:45 horas para gerir os acessos ao quartel aquando do rebentamento das
condutas de água. O Guarda refere que as vias de acesso principal e secundárias
ao Quartel ficaram afectadas pelas inundações, encontrando-se no local para
garantir a segurança e não permitir a circulação de veículos. Confirma ainda
que a normalidade apenas fora restabelecida às 18h45, momento em que foram
reabertos os acessos ao Quartel.
-
A testemunha seguinte, Elisa Silva, Jornalista na redacção de Coimbra da RTP1,
afirma que foi destacada para ir ao quartel-general de Coimbra a 9 de Abril de
2012 pelas 11h00. Confirma então que as imediações do Quartel se encontravam
fechadas ao trânsito tendo entrado a pé e testemunhado um grande aparato no
local.
-
De seguida é ouvida a testemunha, Joaquim Bernardo, trabalhador da empresa Estamos-Nas-Lonas,
S.A.. Esta testemunha afirma ter conhecimento do contrato celebrado entre as
partes. Quando lhe foi questionado se se encontrava a trabalhar no dia 15 de
Junho de 2012, este nega a sua presença devido a um acidente (lesão de pulso).
Afirma ter estado todo o dia no hospital das 9h30h até às 18h00. Quando
confrontado com o facto de a sua assinatura ser patente na guia de transporte
datada de dia 15 de Junho alega a falsidade da mesma.
O
tribunal duvida da veracidade deste testemunho uma vez que no relatório médico
apresentado, a consulta teve início às 9:00h. Atendendo às alegações da
testemunha a hora não está conforme o relatório.
-
É ainda ouvida a testemunha António Correia dos Santos, Comandante dos
Bombeiros sapadores de Coimbra, um dos bombeiros que fora chamado ao local
devido ao rebentamento das condutas de água no Quartel-General de Coimbra. Este
confirma as inundações causadas pelo acidente e ainda a presença da PSP para
controlo das vias encerradas.
-
Segue-se Paulo Rodrigues Gonçalves, jornalista que se encontra a acompanhar o
caso desde o dia 9 de Novembro de 2012. Esta testemunha não apresentou qualquer
alegação relevante para o processo.
-
Por último, foi ouvida a testemunha Fausto Nunes da Silva, Sargento-Chefe do
quartel-general de Coimbra, este afirma ser o responsável pelo
supervisionamento do contrato no que dissesse respeito às viaturas. Afirma
assim que das 80 viaturas acordadas apenas foram entregues 60, alegando
incumprimento parcial. Relativamente às viaturas que tinham de ser reparadas
refere que deveriam ser entregues até dia 17, situação que não ocorreu, havendo
um incumprimento por parte da empresa.
-
Ocorreu ainda um depoimento parte, pelo Ministro da Defesa Nacional, José
Delgado Alves. O Ministro veio confirmar a celebração do contrato em causa,
afirmando por outro lado a inexistência do rebentamento de condutas, uma vez
que se encontrava no local. No que concerne à 1ª prestação, confirma o
alargamento do prazo deste por ser do interesse do estado Português. Afirma
ainda que perante os testes técnicos realizados foram detectadas anomalias
sendo necessário accionar a garantia. Posto isto, alega que fora estipulado um
prazo para entrega das viaturas, 17 de Setembro, que não fora cumprido. Afirma
ainda a ocorrência de problemas quanto à 2ª prestação, na medida em que apenas
foram entregues 60 viaturas das 80 acordadas. Posto isto, refere que fora
novamente estipulado um novo prazo para dia 8 de Outubro, e que mais uma vez as
viaturas não foram entregues nessa data. Por último, o Ministro alega a
resolução do contrato devido aos problemas enumerados, apesar deste ser um
contrato de interesse público.
II. Matéria de facto
assente
Desta
forma, e tendo em conta o despacho saneador que definiu a matéria de facto
assente e fixou a base instrutória, decide-se em seguida a matéria de facto
provada relevante para a decisão:
1. A
09.10.2011 a “Estamos-Nas-Lonas, S.A.” (Autor),
e o Ministério da Defesa Nacional
(Réu) celebraram um contrato de fornecimento de viaturas militares blindadas,
sendo as prestações de 260 viaturas – a ser cumprida pela A. - pelo preço de
€360.500.000,00 (trezentos e sessenta milhões e quinhentos mil euros) – a ser
cumprida pelo R. (doc. 1).
2. O lugar do cumprimento da obrigação
de entrega das viaturas foi acordado pelas partes, conforme o disposto no art.º
772 do Código Civil, sendo estabelecido o Quartel-General de Coimbra, Rua de
Infantaria 23 3-219 Coimbra, Portugal; tal como resulta da cláusula 3.ª do
contrato de fornecimento.
3. O R. não procedeu à entrega, a
09.11.2011, do Projecto-Base, elaborado por funcionários das Forças Armadas
constante da cláusula 6.ª do contrato de fornecimento. Tendo este sido apenas
entregue a 12.12.2011.
4. A
primeira prestação referente à entrega de 80 viaturas deveria ter tido lugar a
09.04.2012, o que não se verificou, havendo por isso incumprimento por parte do
A.
5.
O R. recebe comunicação da A. a 11.04.2012, em que a A. refere a
impossibilidade de realização da primeira prestação no lugar acordado, i.e., no
Quartel-General de Coimbra (art.º 24 e art.º 26 da PI e doc. 24 da Petição Inicial),
dando conta do rebentamento das condutas de água no mesmo local (doc. 39).
6. A
12.04.2012, o R. envia carta à A. alargando o prazo de cumprimento da primeira
prestação para 23.04.2012 (doc. 4 e 5).
7. A A.
veio apenas a entregar as 80 viaturas correspondentes à primeira prestação a
07.05.2012, encontrando-se por isso em mora, à luz do disposto no art.º 805,
n.º2, al. a) do Código Civil.
8. A
05.06.2012 é entregue ao R. um parecer técnico que conclui pela existência de
defeitos nas 80 viaturas entregues a 07.05.2012.
9. A
08.06.2012, o R. acciona a garantia, dados os defeitos detectados nas viaturas
- conforme a cláusula 5.ª, b) e cláusula 8.ª do contrato de fornecimento (doc.
1) - vindo a fixar um prazo de 3 meses para que a A. procedesse à reparação –
ou seja deveriam estar reparadas até dia 08.09.2012.
10. No entanto - e de acordo com o n.º
23 da contestação - apesar das viaturas terem de estar reparadas a 08.09.2012,
observa-se que o prazo de entrega das mesmas viaturas é diferente do anterior,
ou seja, estas só deveriam ser entregues a 17.09.2012.
11. A
14.09.2012, a título de segunda prestação, a A. entrega apenas 60 viaturas,
menos 20 do que aquelas a que estava contratualmente adstrita, conforme consta
do contrato celebrado entre as partes – cláusula 7.ª, n.º2, al. b).
12. A 17.09.2012, a A. não procedeu à entrega das 80 viaturas
levadas para reparação correspondentes à 1.ª prestação.
13. A
18.09.2012, o R. notifica a A, fixando 08.09.2012 como data de entrega do
remanescente da segunda prestação.
14. A 08.10.2012,
A. deveria ter entregue o remanescente – 20 viaturas – relativo à 2.ª
prestação; o que não se verificou.
15. Dia 10.10.2012, o R. fixa novo
prazo – de 8 dias – para a A. proceder ao cumprimento do remanescente da
segunda prestação, sob pena de resolução do contrato.
16. A.
recebe a notificação dia 11 de Outubro de 2012 (Doc.15).
17. A A. entrega as 20 viaturas em
falta referentes à segunda prestação a 19.10.2012. Desta forma verifica-se que
o remanescente da segunda prestação fora cumprido dentro do prazo estabelecido
de 8 dias. Tendo sido a entrega feita em tempo devido, R. pagou a A. o preço
correspondente às 20 viaturas, conforme consta do doc. 31.
18. As 80 viaturas referentes à
primeira prestação, depois de levadas para reparação, não mais foram entregues.
19. Apenas a segunda prestação foi
cumprida integralmente, ainda que, já dentro de um terceiro prazo estabelecido
pelo R.
20. A A.
notificou o R. que não iria conseguir cumprir atempadamente a 3.ª prestação a 07.02.2013, como se conclui do n.º 31 da contestação.
21. O contrato de fornecimento
celebrado entre a Estamos-nas-Lonas, S.
A., e o Ministério da Defesa
Nacional, é resolvido pelo R. a 23.10.2012.
III.1. Matéria de Direito
A.
Da
mora
A A. Apenas veio a cumprir a obrigação
de entrega a que estava adstrita no dia 07.05.2012. Na verdade, fora convencionado
que a A. entregaria a 1ª prestação a 09.04.2012. Todavia, veio a Autora alegar
– com razão – que estaria impossibilitada de proceder à entrega das oitenta
viaturas, dado o rebentamento das condutas de água e que se tiveram efeitos no
próprio lugar da entrega das viaturas.
Assim sendo, houve impossibilidade
temporária de realizar a entrega das viaturas, pois o rebentamento das condutas
de água tornou impossível a entrega das viaturas naquele local do cumprimento.
Ademais, não deu o Réu nenhuma indicação de outro lugar para que o Autor
pudesse entregar as oitenta viaturas. Como tal, fazendo uma leitura ampla do
n.º 4 do art. 325.º CCP, que atenda a ratio
do artigo em causa, seria de aplicar o art. 792.º CC. Na verdade, o
rebentamento das condutas torna momentaneamente impossível a entrega naquele
lugar, dado que a mesma entrega poderá ser feita após a limpeza daquele lugar.
Mais se diga que o interesse do credor mantem-se, como exige o n.º 2 do art.
792.º CC, dado que o Réu continua a ter interesse na aquisição daquele número
de viaturas blindadas. Logo, conclui-se que não seria imputada ao devedor, in casu Estamos- Nas-Lonas, S. A., a
impossibilidade do cumprimento atempado.
Significa por isso que há justificação
para que a A. não tenha procedido à entrega acordada para dia 09.04.2012. De
facto, sendo certo que o princípio da pontualidade enforma todo o regime do
cumprimento e incumprimento das obrigações (vide, PIRES de LIMA e ANTUNES
VARELA, Código Civil Anotado, I,
Coimbra ed., 4ª ed., pp. 373ss.), a não entrega no dia acordado não configura
um situação de incumprimento, pois que a própria letra do art. 792.º do CC refere
que o devedor não responde pela mora, ficando, por exemplo, exonerado dos danos
moratórios, não se aplicando por isso o art. 804.º/1 do CC.
Ademais, agiu a Autora no respeito
pela boa fé. De facto, a Autora foi bastante célere na notificação ao Réu do
facto de não conseguir cumprir com a data acordada. Tal exigência, constante do
art. 762/2 CC e do art. 286.º CCP.
Portanto, o A. não responde pela mora
sendo certo que se encontra em mora, dado que não cumpriu aquilo a que
contratualmente estava adstrita. Assim, nos termos da al. a) do n.º 2 do art.
805.º CC a A. estaria em mora desde 09.04.2012. Não tem razão a A. pois
confunde duas realidades distintas: constituição em mora e exoneração da mora.
A constituição em mora prende-se com o momento em que se considera que, in casu o devedor, incumpre com o prazo
que fora estabelecido. Ou seja, aquilo que fora contratualmente estipulado não
foi verificado (por isso: violação do princípio da pontualidade) pois apenas
veio a cumprir numa data que não aquela que fora estabelecida pelas partes.
Coisa distinta é a responsabilidade pela mora ou, no litígio que agora se
julga, a exoneração da mora. Esta diz respeito à susceptibilidade do sujeito em
mora ser chamado a responder pelos efeitos que a outra parte tenha em virtude
desse atraso no cumprimento. Claro está que só haverá responsabilidade pela
mora se de facto houver mora e por isso, para efeitos de danos moratórios, o
devedor só responde pelos danos que tenham lugar desde o momento em que o
devedor se encontre em mora. Nesse sentido, o devedor encontra-se em mora ainda
que, ex vi impossibilidade
temporária, não responda pelos danos moratórios que então possam ter ocorrido.
Assim sendo não haveria lugar à
aplicação do n.º 1 do art. 325.º CCP dado que o facto não lhe é imputável, como
foi visto supra.
No entanto, tendo sido fixado novo
prazo (23.04.2012), deveria a A. ter entregue as oitenta viaturas nesta data e
no lugar já apto para que se procedesse à respectiva entrega. Não procedendo a
essa entrega, e não havendo fundamento para que a A. não cumprisse com a 1ª
prestação, responde a A. pelos danos moratórios, que se contam desde
23.04.2012. Por isso, ainda que tenha cumprido a 07.05.2012 sempre responderia
pelos danos moratórios, i.e. pelos
danos que o R. sofreu pelo facto de a A. ter cumprido tardiamente, violando
assim aquilo que fora acordado.
Conclui-se por isso que a A. só
responderia pelos danos que a sua mora causasse desde 23.04.2012.
B.
Do
cumprimento defeituoso
A
subsunção do caso em apreço - referente ao cumprimento 1.ª prestação – à noção
de cumprimento defeituoso requer em primeiro lugar que se compreenda o que
abarca esta noção. Cumpre então compreender melhor o que significa cumprimento
defeituoso.
Segundo
Romano Martinez observa-se o
cumprimento defeituoso, “sempre que o
devedor realiza a prestação a que estava adstrito, mas esta não corresponde,
totalmente, à que era devida, (…)”.
De
seguida devemos observar por que razão esta situação se subsume ao regime do
cumprimento defeituoso e não ao regime do erro.
De
facto, apesar de, sub judice, o R. estar sempre em erro, não seria de
aplicar o regime do erro. Os regimes em causa impõem consequências distintas. Observemos
algumas: o requisito fundamental do erro é a essencialidade e, com respeito ao
cumprimento defeituoso, só o direito de resolver o contrato carece de uma
violação essencial do dever obrigacional, mas tal não é exigido para os
restantes meios (eliminação dos defeitos, entrega de prestação substitutiva,
redução do preço e indeminização). Estes institutos diferenciam-se igualmente
em relação à indesculpabilidade. Enquanto o erro indesculpável pode ser causa
de anulação do contrato, a desculpabilidade é requisito da responsabilidade por
defeito no cumprimento. Cabe dizer ainda, que o erro só é fundamento de
anulação se a contraparte (destinatário) conhecia ou não devia ignorar a
essencialidade do elemento sobre que ele incide (art.º 247 do Código Civil), ao
passo que o devedor pode ser responsável pelo cumprimento defeituoso, apesar de
desconhecer o respectivo vício. O erro diz respeito à formação da vontade, à
representação da realidade no momento da celebração do negócio jurídico;
enquanto o cumprimento defeituoso é aferido a
posteriori, verifica-se na fase de execução do contrato. Por último,
acrescente-se que a principal consequência do erro é a anulabilidade do negócio
jurídico; enquanto o cumprimento defeituoso permite, além da resolução do
contrato, a exigência das pretensões de cumprimento, de redução do preço e da
indeminização pelos danos.
Ora,
observando a noção apresentada e feita a distinção da figura do erro, consideramos
que esta à partida pode caracterizar a situação descrita – ou seja, a dos
veículos referentes à 1.ª prestação apresentarem defeitos. Vamos tentar ir mais
além ou seja, vamos verificar que tipo de cumprimento defeituoso temos presente
no caso.
O
tipo de cumprimento defeituoso que se observa no caso em apreço é o de “Error in qualitate”
ou seja um erro relativo às qualidades próprias normais dos bens daquele tipo.
Esta determinação das qualidades normais de cada tipo de coisa depende da
apreciação comum, tendo em conta as regras da boa fé. A doutrina geralmente
enquadra estas qualidades normais da coisa naquelas que pela sua razão de ser
se integram no negócio jurídico em causa.
Concluindo,
quando a A. entrega a título de 1.ª prestação os 80 veículos ao R., e se
verifica que os mesmos apresentam defeito, esta situação deve ser enquadrada
como um cumprimento. No entanto, por os veículos em causa apresentarem uma
ausência de qualidade normal que seria de esperar de acordo com o espírito e
letra do contrato de fornecimento, verifica-se que houve cumprimento defeituoso,
aplicando se o regime desta figura jurídica.
- Dos fundamentos da
resolução
No que concerne à resolução contratual
por parte do R., será necessário analisar o regime geral dos contratos públicos,
nomeadamente o artigo 325º. do Código dos Contratos Públicos. Este indica a
necessidade do contraente público, em caso de incumprimento, dever notificar o
co-contratante para o cumprimento em prazo razoável. Por “prazo razoável”
devemos entender um prazo que tenha em conta as especificidades do contrato e o
tempo médio que tal prestação demoraria a ser efectuada, ainda que se deva ter
em conta o tempo que já se dispôs para cumprir aquando do 1º prazo. Enuncia o
número 2 do mesmo artigo que só no caso do prazo concedido não ser cumprido é
que a Administração poderá resolver o contrato. Esta solução encontra
justificação no princípio do aproveitamento dos contractos. No caso específico
dos contractos públicos, estes costumam ser bastante onerosos para as partes
envolvidas, como tal uma eventual resolução acarreta normalmente grandes
prejuízos económicos para ambas as partes, bem como para o interesse público,
prejuízos esses que devem ser evitados a todo o custo e que deram lugar a esta
solução.
Mereceram ao Tribunal especial
relevância nesta matéria os documentos 12. e 14. apresentados pelo R., uma vez
que demonstram que a Administração por mais do que uma vez concedeu a
possibilidade ao A. de cumprir o contrato antes de proceder à resolução do mesmo.
Competirá pois analisar se os
fundamentos apresentados pelo R. para justificar a resolução do contrato
encontram, nos factos da causa, suporte que preencha os preceitos legais de
forma a conferir carácter legal a esta mesma resolução, ou se, por outro lado,
os factos vão ao encontro da pretensão de A. que alega não existirem motivos
para tal.
Tendo em conta o artigo 448º. do Código dos
Contratos Públicos, que versa sobre os fundamentos de resolução pelo contraente
público, vemos que esta norma confere direito de resolução ao contraente
público em caso de violação grave ou reiterada das obrigações que competem ao
co contraente, nomeadamente, em casos de mora superior a 3 meses ou quando se
declare que o atraso na entrega irá exceder esse prazo.
Relativamente ao prazo de 3 meses, parte
da doutrina, nomeadamente os Professores Diogo Freitas do Amaral e Marcelo
Rebelo de Sousa consideram este como sendo meramente indicativo, no sentido em
que a própria natureza do bem a fornecer possa justificar um prazo mais
alargado ou até mais curto, se as partes assim o entenderem.
O artigo refere ainda que os fundamentos
gerais de resolução do contrato, constantes do Código Civil, nomeadamente no
artigo 432º. e seguintes, são também eles relevantes para efeitos de resolução
de contratos públicos de fornecimento.
Para efeitos de resolução é ainda de
referir o regime previsto no art.333º. do Código dos Contratos Públicos, uma
vez que este foi referido pela A. para afirmar que não estavam verificados os
seus pressupostos de aplicação, tendo R. considerado, pelo contrário, que
existiam motivos para resolução também ao abrigo do disposto neste artigo. Na
extensa previsão deste artigo se prevê a possibilidade do contraente público
poder resolver o contrato a título sancionatório nos casos no mesmo
mencionados, tendo para o efeito R. alegado que poderiam resolver o contrato
com base no disposto na alínea a) do referido artigo.
Tendo em especial atenção os documentos
2., 10., 28 e 29., que mereceram particular credibilidade ao tribunal, bem como
os testemunhos ouvidos em Audiência de Discussão e Julgamento, é possível
concluir que durante o tempo de cumprimento do contrato existiram efectivamente
razões fácticas que sustentam a resolução contratual por parte de R..
Verifica-se que A. não cumpriu o prazo
para a primeira prestação, sendo este 9 de Abril de 2012. Ainda relativamente a
essa prestação se constata que algumas das viaturas fornecidas tinham defeito
de fabrico, e que, por esse motivo, foi constituído um prazo para se proceder à
sua reparação, a 17 de Setembro de 2012, prazo esse que voltou a ser incumprido
por A..
Acresce a isto o facto de a segunda
prestação que tinha como data o dia 14 de Setembro de 2012 não ter sido feita
de forma completa, uma vez que faltavam 20 viaturas das 80 acordadas, o que
resultou uma vez mais num prolongamento do prazo para o cumprimento, definido
para 8 de Outubro de 2012, data essa que passou sem que a prestação tenha sido
validamente cumprida.
Aquando da terceira prestação, a A.
comunica desde logo a sua incapacidade para cumprir de forma atempada a
referida prestação.
Estes factos constituem um incumprimento
reiterado das obrigações que competiam a A., sendo desta forma fundamento para
resolução do contrato à luz do disposto no art.448º. do Código dos Contratos
Públicos. Para além disso o prazo de 3 meses referido neste mesmo artigo foi
largamente excedido uma vez que a resolução vem a ocorrer a 23 de Outubro de
2012, mais de 6 meses depois da data para cumprimento da primeira prestação.
Ainda no que a esta questão diz respeito,
nomeadamente à exigência presente no artigo relativa ao carácter grave das
violações, será importante realçar a opinião do Professor Doutor Pedro Romano
Martinez, que defende a necessidade de ter de se constatar uma quebra na
relação de confiança no contrato de prestação periódica para fundamentar a
resolução. Neste caso, podemos verificar a quebra da confiança nas constantes
violações feitas ao contrato, violações essas que, quer pelo valor patrimonial
que representam, quer pelo prejuízo público que causam, são só por si de carácter
grave.
Nestes termos, temos que existiu fundamento para resolução do
contrato nos termos do art.448º do Código dos Contratos Públicos.
Quanto
à resolução sancionatória prevista no art.333º. alínea a) do Código dos
Contratos Públicos, será necessário que exista incumprimento definitivo e que
este se verifique por facto imputável ao co-contratante para que se possa
resolver o contrato com base nesta disposição.
Sobre
esta questão diz o Professor Doutor Pedro Romano Martinez que a resolução do
contrato pode ser fundamentada pelo incumprimento do contrato - art.º 801, n.º2
do Código Civil. Ainda que pudéssemos questionar se neste caso estamos perante
um caso de incumprimento definitivo, uma vez que ainda era possível a A.
cumprir com as obrigações, será importante lembrar que, no caso de perda de
interesse do credor, a impossibilidade parcial se torna definitiva, o que,
aplicado ao caso, resulta que uma vez que o R. perdeu o interesse na prestação,
o incumprimento ainda que parcial por parte de A., se converte em definitivo.
Nestes
termos, temos que também existiu
fundamento para resolução do contrato com base no disposto no art.º 333º.
alínea a), do Código dos Contratos Públicos.
Considera-se
por último que esta resolução não põe em causa o interesse público, pelo
contrário, a permanência do contrato com A. é que poria em causa o interesse
público uma vez que esta não demonstrou a diligência suficiente para conseguir
cumprir com as obrigações, incorrendo em incumprimento, sendo que estes mesmos
incumprimentos é que atrasam a prossecução do interesse público, que não se
deve coadunar com atrasos constantes que acarretam grave prejuízo para o erário
público.
III.2. Fundamentação
Quanto
à fundamentação da decisão de mérito:
Crê-se que o pedido da A. não é
procedente, sendo válidos os efeitos da resolução do contrato provocada pelo
R.. Sendo negligente na prossecução das suas obrigações pelos sucessivos
atrasos a que acresceram a entrega de bens defeituosos, apesar dos contínuos
esforços do R. para manter a execução do contrato, e violando de maneira clara
princípios determinantes e basilares da relação entre as partes, em especial o
princípio da confiança, o efeito verificado quanto à A. só pode ser o da
procedência da resolução, fundamentada nos termos do art.448º do Código dos
Contratos Públicos, e, eventualmente, no art.º 333º. alínea a), do Código dos
Contratos Públicos. Tendo também em consideração que se conclui que a resolução
do contrato em nada prejudica o interesse público, antes pelo contrário,
reitera-se, desta forma, a procedência pela resolução do contrato celebrado
entre a Autora, Estamos-Nas-Lonas, S.A.,
e o Réu, o Ministério da Defesa.
IV. Decisão
Em
face do exposto, acordam em:
Não
declarar anulável a resolução do contrato de fornecimento de bens pelo
Ministério da Defesa
Custas
pela
Autora.
Registe
e notifique.
(texto
elaborado e revisto pelo signatário – cfr. artigo 138.º/5 do Código de Processo
Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA –
incorporado no SITAF, com assinatura electrónica avançada, nos termos do artigo
7.º/1 da Portaria n.º1417/2003, de 30 de Dezembro).
Lisboa, 19 de Dezembro
de 2012
Pelo
colectivo de juízes,
David
Reis
Inês
Sampaio Soares
Lourenço
Corrêa d’Oliveira
Margarida
Valadão dos Santos
Pedro
Fonseca
Tomás
Maia